Panes constantes nos sistemas de processamento de dados do INSS agravam o problema da longa fila de pedidos de benefícios.
Porto Velho, Rondônia - Entre janeiro de 2023 e meados de abril deste ano, foram registradas 164 interrupções nos diferentes sistemas do órgão público ligado ao Ministério da Previdência Social, que é responsável pelo pagamento de aposentadorias, pensões e outros benefícios a trabalhadores e segurados. Essas falhas somaram dois meses, 13 dias, 13 horas e 36 minutos de sistemas fora do ar em pouco mais de um ano.
As quedas nos sistemas prejudicaram a análise de 3,4 milhões de processos de um total de 25,4 milhões concluídos nesse período — ou seja, 13,4% dos processos analisados pelo INSS foram afetados por falhas nos sistemas: não puderam ser processados no momento da pane e tiveram seu desfecho protelado.
Isso porque, com os sistemas fora do ar, os servidores não conseguem dar andamento na análise dos pedidos de benefícios, agravando a já enorme fila do INSS, que o governo vem tentando reduzir. Os dados do instituto foram obtidos pelo GLOBO por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
A maior parte dos sistemas utilizados pelo INSS é desenvolvido e administrado pela estatal federal Dataprev. As falhas estão disseminadas entre os diferentes sistemas utilizados pelo órgão para analisar pedidos e conceder benefícios. A duração média de cada pane registrada pelo INSS em quase 16 meses foi de 10 horas e 53 minutos.
Agência do INSS em Porto Alegre: unidades de atendimento do órgão têm computadores obsoletos e falhas na conexão à internet, apontou TCU — Foto: Agencia Enquadrar / Agencia O Globo
O Sirc, meio eletrônico de concessão do salário-maternidade, é o que totaliza mais tempo fora do ar no período: a soma das falhas chega a 20 dias. Mas o sistema que dá mais problema é o GET, uma espécie de gerenciador de tarefas que abrange serviços como o “Meu INSS” e o canal telefônico 135, por exemplo. A incidência de falhas desse sistema no período analisado foi o maior: 50. Mas as panes desse canal costumam durar pouco.
Outro sistema que também tem falhas constantes é o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), banco de dados que contém todo o histórico de contribuição dos trabalhadores. Pela quantidade de informações disponíveis, o CNIS é uma das principais fontes de consulta do INSS. Apesar disso, teve a segunda maior frequência de interrupções no período: 20 panes.
Fila da fila
O problema atinge também o Prisma, que opera pedidos de aposentadoria e pensão, e o Sibe, por onde trafegam as requisições do Beneficio de Prestação Continuada (BPC) — um salário mínimo pago mensalmente a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
As falhas nos sistemas do INSS agravam a fila para concessão de benefícios pelo órgão, que tem enfrentado dificuldades para dar mais celeridade aos processos. Em abril, o governo conseguiu reduzir em 3,4% o estoque de pedidos à espera de resposta, para 1,4 milhão, mas o tempo médio ainda é de 39 dias de espera. Isso, considerando apenas os pedidos iniciais, o primeiro passo de um segurado para ter o direito a um benefício reconhecido.
Quando são contabilizados os outros processos à espera de uma solução, a fila chega a 4,49 milhões, segundo o INSS. Entram nesta conta, por exemplo, os recursos às decisões iniciais, como os de segurados que tiveram benefícios negados, que somam 1,4 milhão de processos. Recursos de pedidos negados são analisados pelo Conselho de Recursos da Previdência.
Outra fila que se destaca pelo tamanho é do seguro-desemprego para pescadores artesanais: são 861.635 pedidos sem definição. Há ainda processos acumulados de pedidos de revisão do valor do benefício, atualizações de cadastro, demandas judiciais, certidões de tempo de contribuição e apurações de irregularidades.
Auditoria do TCU
As filas deixam vidas de segurados em suspenso. A operadora de telemarketing Rita Ribeiro, de 55 anos, entrou com um pedido de aposentadoria em setembro de 2022, mas, depois de meses de expectativa, o valor do benefício ficou muito abaixo do que ela esperava. Preferiu adiar a aposentadoria e continuar trabalhando. Em agosto do ano passado, com a ajuda de um advogado, entrou com recurso para revisar o valor. Um ano depois, o processo ainda está à espera de julgamento, ela lamenta:
— Trabalho desde os 14 anos de idade. Estou cansada. É uma luta quando a gente busca a aposentadoria.
Uma das principais dificuldades do INSS para reduzir as filas, tem repetido o órgão e o Ministério da Previdência, é falta de pessoal. No entanto, considerando que as panes no sistema impedem os funcionários de analisarem processos, a melhor performance da infraestrutura digital do órgão teria um impacto positivo na redução da fila, como já apontou uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU).
O relatório do órgão de controle apontou falta de investimentos na infraestrutura digital do INSS e classificou a indisponibilidade dos sistemas em determinados períodos como “um fator crítico” para as filas, inclusive as de reconhecimento inicial de direitos. Outro problema identificado foi a baixa qualidade da conexão à internet nas agências do INSS, além de computadores obsoletos operados pelos funcionários públicos.
Além da atualização do parque tecnológico do INSS, o TCU recomendou que os contratos assinados pelo órgão com a Dataprev contenham cláusulas que permitam o acionamento rápido da empresa em caso de pane, a fim de regularizar os serviços de informática, além do uso de inteligência artificial (IA) para acelerar a análise de processos.
‘Investimento assegurado’
Procurado pelo GLOBO, o INSS respondeu que o governo assegura recursos para melhorar seu atendimento. “Os investimentos para melhorar a gestão e dar melhor eficiência nos gastos da Previdência Social estão assegurados pelo governo, que tem se reunido intensamente para melhorar a qualidade do gasto”, afirmou, em nota, o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto. A Dataprev não respondeu.
O Ministério da Previdência Social informou que tomou providências para acelerar as decisões do Conselho de Recursos (que funciona à parte do INSS), como reestruturação do colegiado e a nomeação de novos conselheiros, além de medidas de padronização e otimização dos fluxos de análise e julgamento dos processos.
Rogério Nagamine, especialista em seguridade social que já atuou no Ministério da Previdência, diz que a redução já vista na fila de reconhecimento inicial de direito é positiva, mas falta ao governo divulgar também o tamanho preciso de outras filas e o que está sendo feito para reduzir os prejuízos de segurados à espera de benefícios.
O diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Diego Cherulli, concorda que faltam dados para mostrar toda a dimensão do problema. E lembra que, panes em sistemas também limitam o acesso dos segurados aos canais que protocolam novos pedidos.
— Tão importante quanto reduzir o tamanho da fila é fazer a análise dos processos com eficiência — ele diz.
Fonte: O GLOBO
0 Comentários